O MAIOR ÓRGÃO DO CORPO
Na vida, tudo é uma questão de pele, você vai descobrir lendo este texto inédito de Rubem Fonseca.
Todo mundo sabe qual é o maior órgão do corpo humano. Mas todos sabem que a importância desse órgão equivale à do coração? O tamanho deles é diferente, o coração tem treze centímetros de comprimento por nove de largura e seis de espessura; pesa entre 250 e 350 gramas. O outro pesa cerca de vinte vezes mais. Claro que estamos falando da pele.
Mas isso é um órgão? Não é um troço para a gente bronzear na praia e passar creme para compensar as rugas do envelhecimento? Uma espécie de roupa, que deve ser limpa, cheirosa e colorida? Uma conectiva, uma transferência de informação para o mundo exterior? "Ei! pessoal, sou ainda uma mulher jovem."
A pele até que pode desempenhar esse papel, sendo tão rica e multifária. Antes de mais nada, é dotada de uma opulência de terminais nervosos que a torna um importante órgão sensorial, fonte do primeiro dos nossos cinco sentidos – o tato. Ou seja, joga no mesmo time do olho, do ouvido, da língua e do nariz. Mas essa é a menor de todas as suas virtudes. A pele nos protege contra agressões químicas e físicas, age como um filtro permitindo uma infinidade de mutações biológicas sintetizando vitaminas essenciais ao crescimento, além da calcificação dos ossos. E finalmente os vasos sanguíneos que a cobrem mantêm a nossa temperatura constante e permitem o processo de exalação, através dos poros, de partículas líquidas, isso que chamam de transpiração. Resumindo, a pele protege, metaboliza, harmoniza, informa.
Mas ela tem vários inimigos. Talvez o pior deles seja a moda, as variações culturais que influenciam a indumentária, a fala, a recreação. Outros órgãos também são afetados pela moda: pulmão, coração, fígado – cigarro, batata frita, uísque – mas nenhum deles é tão agredido quanto a pele. Por um simples motivo: ninguém está feliz com a pele que tem e acham que ela, como uma peça de vestuário, pode ser tingida, esticada, alinhavada, trocada.
Já escrevi e reescrevi (esse assunto é uma idéia fixa minha) que, antigamente, no nosso país, as mulheres não saíam à rua sem uma sombrinha que as protegesse do sol. E os homens usavam chapéus de palha. Hoje achar uma sombrinha para comprar é muito dificil e chapéu de palha só conheço uma pessoa que usa, aliás um cara elegante que entende muito de vinhos. O que aconteceu? Mais uma daquelas influências culturais americanas idiotas. Nos States, a pessoa suntanned, bronzeada, era tida como de elite, alguém que passava as férias e/ou os fins de semana na Califórnia ou na Flórida, não tinha aquela palidez dos fodidos que moravam no norte do país. Então, como macacos colonizados, copiamos isso e jogamos as sombrinhas e os chapéus de palha no lixo e decidimos ficar todos bronzeados, com cara de proprietários de coberturas na praia.
O certo é deixar a pele com sua tonalidade natural. Uma pele assim é sempre atraente, não importa o matiz. (E a beleza física está mais na estrutura óssea do que na pele). Aqui, no mundo ocidental, apesar dos riscos de câncer de pele, as pessoas querem ficar bronzeadas. As praias na minha cidade começam a receber sua maior afluência a partir das onze horas quando o sol está mais virulento e essa massa ignara deita-se em toalhas e vai rolando o corpo para receber o sol, como um frango de padaria girando no espeto. Em outras partes do mundo, ocorre o oposto, as pessoas querem clarear a pele. (As gueixas pintavam a pele de branco). Acabo de ler uma matéria sobre a Índia em que essa moda tornou-se compulsiva, as mulheres de compleição mais escura têm dificuldade de arranjar namorados e maridos, e até mesmo certos empregos. O negócio dos cosméticos que se propõem a clarear a pele atingiu duzentos e cinqüenta milhões de dólares anuais e continua crescendo. Já existem 60.000 salões de beleza especializados em branquear a pele, que usam, entre outros métodos, máquinas que emitem rajadas fortes de areia fina projetadas sobre a pele com a finalidade de branqueá-la. Mais uma vez é um imperativo da moda, condicionado por valores culturais, no caso estabelecidos pelos colonizadores caras pálidas ingleses. Os de pele escura são vistos como cidadãos de segunda classe, humildes trabalhadores da gleba, que evidentemente ficam expostos ao sol.
Em síntese: Nesse específico festival de estupidez cultural quem tem se ferrado, de maneira consistente, é a pele, esse grande e importante órgão do nosso corpo.
Você esta torcendo para fazer sol no fim de semana?
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